A segunda meditação do Advento pelo pregador da Casa Pontifícia Pe. Roberto Pasolini teve como tema: “Reconstruir a Casa do Senhor. Uma Igreja sem contraposições”. De que unidade devemos dar testemunho? E como oferecer ao mundo uma comunhão crível que não seja, genericamente, fraternidade? Estas foram as principais questões propostas.

A reflexão é parte de um ciclo para este Tempo do Advento que traz como tema: “Aguardando e apressando a vinda do dia de Deus“.

A Torre de Babel e o medo da dispersão

O Pe. Pasolini articulou sua reflexão em torno de três imagens: a Torre de Babel, o Pentecostes e a reconstrução do Templo de Jerusalém. A primeira imagem — a de uma cidade fortificada e uma torre imponente — é o emblema de uma família humana que, após o dilúvio, busca exorcizar “o medo da dispersão”. Mas tal projeto esconde “uma lógica mortal”, já que a unidade é buscada “não pela reconciliação das diferenças, mas pela uniformidade”.

O pensamento único do totalitarismo do Século XX

 “É o sonho de um mundo onde ninguém é diferente, ninguém corre risco, tudo é previsível”, observou o padre Pasolini, tanto que a torre é construída não com pedras irregulares, mas com tijolos idênticos entre eles. O resultado é, sim, a unanimidade, mas uma unanimidade aparente e ilusória, porque “é alcançada ao custo da eliminação das vozes individuais”.

A partir daí, o pensamento do pregador volta-se para os tempos modernos e contemporâneos, nomeadamente, para os totalitarismos do século XX que impuseram o “pensamento único”, silenciando e perseguindo a dissidência. Mas “cada vez que a unidade é construída suprimindo as diferenças – acrescentou – o resultado não é a comunhão, mas a morte”.

O consenso rápido das redes sociais e da IA

Também hoje, “na era das redes sociais e da inteligência artificial”, os riscos da padronização não faltam, antes pelo contrário; surgem em novas formas, em que os algoritmos criam “bolhas de informação” unívocas, esquemas previsíveis que reduzem a complexidade humana em um padrão, plataformas que visam o consenso rápido, penalizando a “dissidência reflexiva”.

Trata-se de uma tentação que “não poupa sequer a Igreja”, explicou o capuchinho, recordando as muitas vezes ao longo da história em que a unidade da fé foi confundida com uniformidade, em detrimento do “ritmo lento da comunhão que não teme o confronto e não apaga as nuances”.

A diferença é a gramática da existência

Um mundo construído sobre a utopia de cópias idênticas, continuou o sacerdote, “é a antítese da criação”, porque “Deus cria separando, distinguindo, diferenciando” a luz das trevas, as águas da terra, o dia da noite.

Nesse sentido, “a diferença é a própria gramática da existência”, e rejeitá-la significa inverter “o impulso criador” em busca de uma falsa segurança que é, na verdade, “uma rejeição da liberdade”.

Deus restaura a dignidade às singularidades

A confusão de línguas com que Deus responde à Torre de Babel, portanto, não é uma punição, mas sim “uma cura”, enfatizou o pregador da Casa Pontifícia: o Senhor “restitui a dignidade às singularidades”, dando novamente à humanidade “o bem mais precioso”, ou seja, “a possibilidade de não sermos todos iguais”. Porque “não existe comunhão sem diferença”.

Pentecostes, emblema da comunhão

A segunda imagem é a de Pentecostes, o emblema da comunhão apesar da ausência de uniformidade. Os apóstolos falam a sua própria língua, e os ouvintes a compreendem na sua, porque “a diversidade permanece, mas não divide”; as diferenças não são eliminadas para criar unidade, mas transformadas “no tecido de uma comunhão mais ampla”.

A renovação da Igreja, uma necessidade perene

O padre Pasolini ilustrou então a terceira imagem: o Templo de Jerusalém, destruído e reconstruído muitas vezes. Cada reconstrução, explicou ele, “nunca pode ser um caminho linear”, porque a compô-la serão “entusiasmos e lágrimas, novos impulsos e arrependimentos profundos”. Tudo isso é “um precioso compêndio” para compreender “a perene necessidade” de renovação da Igreja, bem encarnada por São Francisco de Assis.

A Igreja, de fato, é chamada a permitir-se ser continuamente reconstruída para revelar “a beleza do Evangelho”, permanecendo fiel a si mesma e, ao mesmo tempo, continuando a “colocar-se a serviço do mundo”.

Acolher a variedade, não apagá-la

Longe de ser “uma necessidade extraordinária”, enfatizou o padre Pasolini, a renovação eclesial é “a atitude ordinária” da Igreja fiel ao mandato apostólico e, sobretudo, não é uniformidade, nem “uma obra pacífica”. A Igreja que se renova, de fato, é aquela capaz de “acolher a diversidade” e capaz de “um combate espiritual autêntico”, livre dos “atalhos de puro conservadorismo e de inovação acrítica”. Porque a comunhão nunca é “um sentimento homogêneo”, nem uma recíproca eliminação, mas antes um lugar de “escuta recíproca”. Só assim, de fato, “a Igreja pode verdadeiramente voltar a ser o lar de todos”.

O Concílio Vaticano II e a “Primavera do Espírito”

Uma última reflexão do padre Pasolini foi dedicada ao Concílio Vaticano II: sessenta anos após, a grande assembleia , frequentemente descrita como a “primavera do Espírito”, emerge quer “um declínio das práticas, dos números e das estruturas históricas da vida cristã” quanto um novo fermento do Espírito, evidenciado pela “centralidade da Palavra de Deus”, por um laicato “mais livre e mais missionário”, por “um caminho sinodal” que se tornou uma “forma necessária” e por um cristianismo que “floresce em muitas regiões do mundo”.

Retornar ao coração do Evangelho

O declínio, explicou o pregador, torna-se decadência se a Igreja perde a “consciência da própria natureza sacramental e se percebe como uma organização social”, reduzindo a fé à ética, a liturgia à performance e a vida cristã a moralismo.

Em vez disso, para além de posições ideológicas, como o tradicionalismo e o progressismo, o declínio pode se tornar “um tempo de graça” no momento em que a Igreja retorna “ao coração do Evangelho”, distanciando-se de “estratégias” humanas, de “contraposições que dividem e tornam estéril cada diálogo”, bem como de “soluções imediatas e fáceis”.

A Igreja, dom a ser protegido e servido

Em última análise, concluiu o padre Pasolini, a Igreja não é algo a ser edificado segundo critérios humanos, mas é “um dom a ser recebido, protegido e servido” com gestos humildes, dia após dia, cada um com um fragmento de fidelidade e caridade. O pregador da Casa Pontifícia concluiu então sua reflexão com uma oração ao Senhor para que “o povo dos fiéis possa sempre progredir na construção da Jerusalém celeste”.

 

Fonte: Isabella Piro / Vatican News