Pe. José Antonio Boareto– Iniciamos nesta Quarta-Feira de Cinzas o tempo quaresmal e a 60ª Campanha da Fraternidade com o tema: “Fraternidade e Amizade Social” e o Lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23,8). Lemos no texto-base da CF-2024: “Se a Quaresma é um tempo propício para nos defrontarmos, com mais intensidade, contra todas as formas de pecado, precisamos, em primeiro lugar, reconhecer que não estamos sozinhos nesta empreitada, quer dizer, temos a consciência dos males que pesam sobre toda a família humana”. (p. 5)
A Campanha da Fraternidade deste ano fundamenta-se na Encíclica “Fratelli Tutti”, na qual o Papa Francisco anunciou ao mundo uma proposta firme de responsabilidade coletiva que pudesse levar a fraternidade e a amizade social, perante os males que ameaçam a paz no mundo. (p. 5). O convite feito é de abrir-nos “a um amor que ultrapassa barreiras de geografia e do espaço” (FT, n.1), que nos interpela à comunhão e solidariedade, mostrando que a conversão passa pela experiência da humildade, da aceitação do outro e da alegria do encontro que vem da ressurreição. (p.5).
Sentido de viver este tempo quaresmal
Um olhar mais atento sobre a Liturgia da Palavra desta Quarta-Feira de Cinzas faz-nos compreender o sentido profundo de viver este tempo quaresmal como propício ao amor. Como ouvimos na 1ª leitura proclamada do profeta Joel: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo”. (Cf. Jl, 2, 12-13).
Para nós, cristãos, o motivo pelo qual buscamos voltar ao Senhor com todo o coração neste tempo está dito na oração da coleta da celebração, ouvimos o presidente rezar: “Senhor, conceda-nos iniciar com o santo jejum este tempo de conversão para que, auxiliados pela penitência, sejamos fortalecidos no combate contra o espírito do mal”. (Cf. III Edição Típica do Missal Romano).
No Evangelho de Mateus ouvimos a cena em que Jesus diz aos seus discípulos para ficarem atentos para não praticar a justiça na frente dos homens só para serem vistos por eles, mas antes, façam as boas obras em oculto, pois o Pai vê o escondido. No Evangelho de Mateus as boas obras do jejum, oração e caridade são apresentados como meios para a realização da justiça, fruto da paz, isto é, da verdade e do amor, sentido da retidão da pessoa que está no caminho do Senhor e não hipocrisia, própria dos fariseus, feita de aparência. Lemos no Evangelho de Mateus: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus”. (Cf. Mt 6,1).
A afirmação de São Paulo que somos embaixadores de Cristo e que somos chamados colaboradores de Cristo leva-nos a reconhecer que recebemos a graça de Deus em nós, e por isso mesmo, deixemo-nos reconciliar com Deus, e consequentemente com os irmãos e irmãs. Como diz o Apóstolo: “Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: “No momento favorável, eu te ouvi e no dia da salvação, eu te socorri”. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação”. (1 Cor 5, 6).
O momento é agora
O tempo favorável é agora, por isso, somos chamados a viver este tempo quaresmal semelhante ao tempo do deserto que viveu o povo no êxodo e ou no exílio da Babilônia e também o próprio Jesus que foi tentado no deserto durante 40 dias. Este tempo é para sermos fortalecidos no combate contra o espírito do mal, e somente, com uma atitude própria daquele que reconhece que é pó, e que sem Deus é nada, poderá com humildade reconhecer com sinceridade diante do Senhor que pecou, e então, suplicar “tende piedade, ó meu Deus, misericórdia! Na imensidão de vosso amor, purificai-me! Lavai-me todo inteiro do pecado e apagai completamente a minha culpa”! (Cf. Sl 50, 3-4).
Como disse o Apóstolo, é agora o dia da salvação, ou seja, é hoje o dia de não fechar o coração, mas abri-lo para o Senhor. Assim, é hoje, o dia de desejar em nós o que o bom espírito quer nos dar, isto é, pedir a graça: “Criar em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido. Ó Senhor, não me afasteis de vossa face, nem retireis de mim o vosso Santo Espírito!” (cf. Sl 12-13). Desejemos que o Senhor nos dê a alegria de sermos salvos e confirme-nos com espírito generoso.
Entendimento simples e profundo
Qual é o melhor modo de nos preparar para celebrar o Mistério Pascal neste ano? Viver a Quaresma a partir do convite à conversão feita pela Igreja no Brasil por meio da Campanha da Fraternidade. E como vivê-la? Algumas expressões da sabedoria popular nos ajudam no entendimento simples e profundo de como compreender o modo de viver este tempo propício do amor, pois o amor deve se mostrar mais em obras do que em palavras:
“Fazer o bem sem olhar a quem” (Caridade): a amizade social nada mais é que aproximarmo-nos das pessoas para fazer o bem a elas. Será que até o final da Quaresma você terá voltado a falar com seu marido, esposa, filho e filha? Conseguirá dialogar com quem crê, pensa, sente diferente de você? Saberá enxergar no outro o seu irmão e irmã? Ou dará um passo maior, reconhecendo que não estamos sozinhos, e precisamos um dos outros para vivermos melhor e juntos cuidarmos dessa Casa Comum, garantindo assim a sobrevivência do mundo?
“Um pouco com Deus é muito”: a oração é cuidar da amizade com Jesus. Neste tempo propício, cada um de nós, poderíamos reservar dez a quinze minutos para “sentir e saborear” o Evangelho de cada dia e assim ouvir ao Senhor com o coração aberto, colocando-se diante Dele com sinceridade, e assim, confessando o pecado, acolhendo o amor, e deixando-se reconciliar com Ele, e sem medo, abrir-se ao amor misericordioso de Deus em nós que nos faz amar além-fronteiras, superando barreiras de geografia e espaço.
“O olho é maior que a barriga”: o jejum não pode ser dieta espiritual. Pode até ajudar privar-se do que gostamos, mas precisamos ir além, é pelo olho que comemos tudo. Não é a toa que o salmista diz que “o pecado está sempre à minha frente e que pecamos praticando o que é mau aos vossos olhos” (Cf. Sl 50, 5-6a). Assim, reflitamos neste tempo, o que comemos pelos olhos? Muitos comem e devoram os outros com ódio pelos olhos. Que possamos discernir o jejum necessário para com a graça de Deus vencer os maus desejos que pelos olhos nos atentam, favorecendo a ação do mal em nós. Ah, como será bom jejuar, deixar de olhar os outros como inimigos, endemoninhados, impuros, e ver a todos como irmãos e irmãs. Como será bom olhar com os olhos misericordiosos de Jesus, cheio de compaixão pela humanidade sofrida.
Coloca-nos com teu Filho!
E quem melhor pode nos ajudar a viver este tempo propício da Quaresma, se não, nossa querida e Mãe e Rainha. Que bom será contemplarmos Maria segurando Jesus em seu colo, e cada um de nós, pedindo a Mãe: Coloca-nos com teu Filho! Como abrir-se ao Amor, senão por aquela que acolheu o Amor? Que Maria, nossa Mãe tão querida, nos dê colo neste tempo propício do amor. Sintamos à sua docilidade, o seu carinho pelo Filho e por cada um de nós. O Senhor é maravilhoso em seus caminhos, quantas vezes, por um simples contemplar o ícone da Mãe Três Vezes Admirável de Schoenstatt sentimos a ternura de Deus, e deste encontro com Maria e Jesus, saímos transformados, transfigurados querendo também ser “colo” para os outros, e por que não, para todos os outros, todos irmãos e irmãs?
Que este tempo favorável de conversão realize em nós o que canta o salmista: “Dai-me de novo a alegria de ser salvo e confirmar-me com espírito generoso! Abri meus lábios, ó Senhor, para cantar, e minha boca anunciará vosso louvor”. Que este tempo não seja triste, mas de esperança pela certeza que temos do Ressuscitado entre nós, a certeza que trazemos em nós que Ele entregou-se por amor a nós, e agora, convida-nos a um discernimento profundo para respondermos a Ele: E nós o que temos feito por Cristo? O amor se mostra em obras e não em palavras. Quais serão as novas atitudes, como demonstrará teu amor por Jesus?
Um convite para uma vida de oração
Este texto é um convite para você redescobrir a importância da vida de oração no seu dia a dia como está sendo solicitado a nós neste Ano da Oração promulgado pelo Papa Francisco em preparação ao Jubileu 2025. O Papa Francisco disse que precisamos realizar a grande “sinfonia” da oração. E oração é “um passo a mais” em nossas práticas devocionais. É redescobri-la como lugar do encontro com o Senhor que se deixa encontrar. Mas vamos devagar, pois é assim que Deus trabalha, ou seja, fazendo o Reino crescer secretamente, o importante é colocar a semente na terra, e esperar, quando menos esperar, ela germina, cresce e quando se vê, já é uma árvore grandiosa. Desejo que você faça do seu tempo de oração um momento para “tratar da amizade” com Jesus, pois somente vivendo na amizade com Ele abrir-se-á a amizade social.
Pe. José Antonio Boareto
Presbítero da Diocese de Bragança Paulista
Docente da Faculdade de Teologia Puc-Campinas