Escritório e estante de livros do Pe. José Kentenich (Foto: Ir. M. Nilza P. da Silva)

 

28 de janeiro é dia de São Tomás – O que herdamos dele em nossa espiritualidade?

Juliana Gelatti Lovato – Neste dia 28 de janeiro, a Igreja faz memória a São Tomás de Aquino, o maior doutor e uma de suas colunas mestras em matéria doutrinal e teológica, ao lado de São Paulo e Santo Agostinho. O monge dominicano que conciliou a fé cristã ao conhecimento herdado de Aristóteles é hoje também chamado de Doutor Angélico ou Doutor Universal. Mas, nos seus tempos de faculdade, seu apelido era bem diferente: por seu porte corpulento e temperamento fleumático e silencioso, os colegas o chamavam de “o boi mudo da Sicília”, sem suspeitar dos prodígios que o Espírito Santo e Nossa Senhora já realizavam em seu interior.

Além da indiscutível influência em toda a doutrina católica, São Tomás também foi uma fonte de inspiração para o Pe. José Kentenich, que resgatou de seu maior legado, a Suma Teológica, o princípio das “causas segundas”. Segundo ele, Deus é a “causa primeira”, a origem de tudo, e se serve de suas criaturas como causas segundas livres (o homem) e causas segundas inanimadas (a criação material) para completar sua obra. Outros princípios filosóficos e teológicos pregados por São Tomás e ensinados pelo Pe. José Kentenich são: 1) a graça constrói sobre a natureza e 2) a ordem do ser é a ordem do agir.

A vida de São Tomás

São Tomás é o mais novo de 12 irmãos, nascido em uma família nobre e guerreira, na fortaleza de Roccasecca, na região da Sicília, sul da Itália, entre os anos de 1224 e 1225. O futuro dos filhos é planejado com cuidado e, além de almejar posições na corte, seus pais também abrem o caminho para alguns dos filhos seguirem a vocação religiosa e sacerdotal. Sonhando em ter um filho abade, enviam Tomás ainda pequeno para a abadia beneditina de Montecassino, onde ele inicia seus estudos junto com os monges. Na juventude, conhece uma das primeiras ordens monásticas mendicantes, os dominicanos, e apaixona-se por seu modo de vida, decidindo-se pelo hábito dominicano.

Enfrenta forte resistência familiar. Em uma das tentativas da mãe e dos irmãos de dissuadi-lo, inclusive por meio de uma jovem mal intencionada, reza fervorosamente a Jesus pedindo que Maria intercedesse a ele a libertação de toda a impureza. Em sonho, recebe de Nossa Senhora o dom da perfeita e vitalícia castidade, e depois disso, nunca mais sentiu os impulsos desordenados da carne. Desde a infância, aliás, São Tomás já cultivava um forte vínculo com a Mãe de Deus; tinha o hábito de anotar à margem de seus cadernos as palavras “Ave Maria”.

São Tomás de Aquino (Foto: Ranyel Paula, via cathopic.com)

Para concretizar sua vocação dominicana, foge do castelo onde havia sido preso por seus irmãos rumo a Nápoles. Futuramente, dirige-se a Paris, para prosseguir seus estudos e, mais tarde, a Colônia, na Alemanha. É no convento alemão que recebe, dos colegas, o apelido de “boi mudo da Sicília”, por conta de seu jeito taciturno. Eles também acreditavam que precisavam ajudar o Frei Tomás a entender as disciplinas, mas em pouco tempo perceberam que a ele deveriam se dirigir para aprender. Com 25 anos, torna-se professor da Universidade de Colônia.

Preferindo seguir a vocação intelectual e pedagógica, recusa convites dos papas para ser Abade em Montecassino e Arcebispo de Nápoles. Em 1252 é nomeado professor na Universidade de Paris. Lecionavam ao seu lado Santo Alberto Magno e São Boaventura, e juntos eles atraíam cada vez mais estudantes. Com sua grande sabedoria e clareza de ideias, São Tomás ganhou a confiança do Rei São Luís, que o consultava com frequência.

Aos 35 anos, é chamado pelo Papa Alexandre IV para ser professor do Studium Geral Itinerante. Os dominicanos nomeiam-no como pregador geral. Foi seu período mais fecundo, durante o qual foi instrumento de inúmeras conversões.

Seu trabalho é incansável, chega a ter três copistas anotando seus ditados simultaneamente. Mas não iniciava nenhum estudo sem antes dedicar longas horas à oração e a organizar e aprofundar em sua mente os esboços do conteúdo sobre o qual iria discorrer. Seu lema era: orar antes de estudar. Frequentemente era surpreendido em êxtases de entendimento e de coração, em que muitas ideias sobre as verdades da fé lhe eram esclarecidas.

Em 6 de dezembro de 1273, Frei Tomás celebra a Santa Missa na Festa de São Nicolau com especial devoção. Após a celebração, é encontrado de joelhos, chorando. Seus copistas perguntam por que não dá sequência aos ditados, e ele responde: “não posso, depois do que Deus se dignou revelar-me, parece-me palha tudo o que escrevi durante a minha vida”. Em pouco tempo regressa à casa do Pai, deixando um legado incomensurável para toda a Igreja.

Pensamentos sempre atuais

Todos os papas, desde Alexandre IV, recomendam a São Tomás, especialmente no âmbito da formação dos sacerdotes e da educação. O Papa Leão XIII o declarou Padroeiro das Escolas e Universidades Católicas. Mas essa recomendação nem sempre foi obedecida. Durante o Concílio Vaticano II São Tomás retoma o posto de grande mestre da teologia e da filosofia oficiais da Igreja: é o que os padres conciliares decidiram, citando-o em diversos trechos dos documentos, como no trecho do Decreto sobre a Formação Sacerdotal:

“Quanto for possível, os mistérios da salvação de forma perfeita, aprendam a penetrá-los mais profundamente pela especulação, tendo por guia Santo Tomás, e a ver o nexo existente entre eles. Aprendam a vê-los presentes e operantes nas ações litúrgicas (37) e em toda a vida da Igreja” 

[1].

Porém, a orientação é, muitas vezes, ignorada, sobretudo por aqueles grupos que tentam dividir a Igreja entre pré e pós Concílio Vaticano II.

(Foto: Dariusz Sankowski, via pixabay.com)

Apresentando São Tomás em uma audiência, o papa Bento XVI explica de que forma o Doutor Universal conciliou fé e razão, citando um dos princípios da pedagogia de Schoenstatt, de que a graça constrói sobre a natureza:

“Este acordo fundamental entre razão humana e fé cristã entrevê-se num outro princípio basilar do pensamento do Aquinate: a Graça divina não anula, mas supõe e aperfeiçoa a natureza humana. Com efeito, esta última, mesmo depois do pecado, não é completamente corrupta, mas ferida e debilitada. A Graça, concedida por Deus e comunicada através do Mistério do Verbo encarnado, é uma dádiva absolutamente gratuita com que a natureza é curada, fortalecida e ajudada a perseguir o desejo inato no coração de cada homem e de cada mulher: a felicidade. Todas as faculdades do ser humano são purificadas, transformadas e elevadas pela Graça divina” [2].

Outro princípio filosófico de São Tomás adotado pelo Pe. José Kentenich é o “Ordo essendi est ordo agendi” – a ordem do ser é a ordem do agir. Esta lei é apontada pelo Pai e Fundador como um remédio eficaz contra todo relativismo, bem como a separação entre espírito e forma, que estão na raiz tanto do totalitarismo político, quanto de todas as desordens morais que vemos hoje.

Que em seu dia, possamos atender o pedido dos papas de buscar conhecer ainda mais sobre esta coluna mestra da Igreja e, junto a São Tomás, rezar: “Concedei-me, suplico-vos, uma vontade que vos procure, uma sabedoria que vos encontre, uma vida que vos agrade, uma perseverança que vos espere confiadamente e uma confiança que no final chegue a possuir-vos”.

Referências

“São Tomás de Aquino”, de Frei Constantino Martínez, O. P. Ed. Katechesis

[1] http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651028_optatam-totius_po.html

[2] http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2010/documents/hf_ben-xvi_aud_20100616.html

 

Fonte: Movimento Apostólico de Schoenstatt