“Voltai para Mim com todo o vosso coração!”

Pe. Emerson José da Silva SAC– Começamos hoje, com a celebração da Quarta-Feira de Cinzas, a graça que o Bom Deus nos concede de vivermos a Quaresma. A quaresma é um período de grandes exercícios espirituais anuais de toda a Igreja. São Leão, certa vez, chamou de um “remédio de quarenta dias de exercícios que a divina providência muito saudavelmente nos dá”.

O Tempo da Quaresma se estende da Quarta-Feira de Cinzas até o Domingo de Ramos. A liturgia da Quarta-Feira de Cinzas abre o tempo da Quaresma, com a imposição das Cinzas como sinal de penitência e conversão. A cor litúrgica é o roxo, sendo que para o 4º Domingo (Laetare) é permitido o uso da cor rosa.

Acolher com o coração

Somos convidados a deixar-se tocar com toda a sinceridade do nosso coração pelo apelo vivo, atual, dirigido pelo Senhor a cada um de nós: “Voltai para Mim com todo o vosso coração!”

Não sei qual a sua situação neste início de Quaresma… Não sei como está sua fé no Senhor, sua confiança na Sua presença na sua vida… Não sei se você tem sido fiel ou infiel, generoso ou preguiçoso para com o Senhor, mas agora, o importante é deixar-se tocar pelo apelo da Palavra: “Voltai para o Senhor, vosso Deus! Ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia!”

Acolhamos com todo o seu coração o dom que Ele nos faz de um tempo de salvação. Eis a Palavra do Senhor para nós: “No momento favorável, Eu te ouvi e no dia da salvação, Eu te socorri!” Procuremos levar muito a sério que este tempo quaresmal é um tempo favorável, um tempo de salvação!

Momento de penitência

Na Quaresma temos um momento forte da prática penitencial da Igreja, particularmente apropriado aos “exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras de caridade e missionárias)”, nos ensina o Catecismo, nº 1438. Portanto, é tempo de revisão de vida, e a liturgia quaresmal é impregnada de uma dupla índole: batismal e penitencial. Uma vez que nos prepara para a Páscoa do Senhor, somos chamados neste tempo penitencial a renovar as promessas do nosso Batismo, assumindo o compromisso batismal e a buscarmos o sacramento da Penitência, como luta contra o pecado e o maligno. É um caminho de renovação espiritual, procurando seguir os passos de Jesus, que nos quarenta dias transcorridos no deserto ensinou a vencer a tentação com a Palavra de Deus.

Quaresma remete a quarenta dias. É um número muito recordado nas Sagradas Escrituras: os quarenta dias do Dilúvio; Moisés no Monte Sinai; os quarenta anos da caminhada do povo de Deus no deserto rumo a terra prometida; o profeta Elias que caminha até o Monte Horeb; os dias de penitência de Nínive na história do profeta Jonas; e sobretudo os 40 dias de Jesus no deserto, nos quais foi tentado por Satanás. Por isso, a Igreja nos convida, a cada ano, durante os quarenta dias da grande Quaresma, unirmos ao mistério de Jesus no deserto.

Esmola, jejum e oração

O tripé da espiritualidade quaresmal: esmola, jejum e oração. Esmola como expressão da caridade e da responsabilidade moral cristã de socorrer os mais necessitados. O jejum como prática de ascese e autodomínio das paixões e afeições desordenadas, e a oração como experiência da intimidade com Deus e vivência da graça divina. Com estes exercícios espirituais, quer a Igreja propor aos fiéis um caminho de santificação pessoal, comunitário e social.

A Oração: Um tempo para tomar consciência que minha vida passa diante dos olhos do Senhor e saber o que Ele vê nela; somente diante do olhar compassivo do Senhor posso ativar os melhores recursos presentes em meu interior. Orar para conhecer mais o Senhor, para conectar com o que Ele deseja para mim e desejar, também eu, com Ele. Oportunidade de sentir sua presença em meu dia a dia, no cotidiano, e de reconhecer que, às vezes, Ele não passa: não o deixo passar. Tempo também de agradecer o bem que Ele realiza em minha vida e na das pessoas que me rodeiam.

A oração é um encontro necessário, especial, insubstituível, para prestar-lhe toda minha atenção. E como em toda aprendizagem, persistir. Como é minha oração? Deixo espaço suficiente à ação surpreendente de Deus?

O jejum: Deixar de lado o que causa danos, para afirmar o que merece um espaço em minha vida. O Senhor me chama a jejuar de pré-juízos, de incompreensão, de intolerância, de egoísmo, de soberba, de mentiras… Jejuar de desculpas que me impedem olhar a realidade de frente, e optar por assumi-la com toda sua dureza e sua riqueza. Distanciar-me da vida superficial-consumista e eleger a vida plena, profunda, comprometida. Aprender a jejuar, não como sacrifício vazio, mas por amor; abraçar a renúncia que me abre a uma vida nova. De que jejuar em minha realidade de hoje? A que renunciar para ativar a vida?

A esmola: Chamado a partilhar o muito ou o pouco que tenho, a fazer da minha vida uma contínua saída em direção aos outros, sobretudo os mais pobres. Praticar a esmola libera os braços para acolher, alarga o coração para ser mais compassivo, movimenta os pés para uma maior prontidão no serviço, desperta uma presença inspiradora junto àqueles que estão abatidos…

Esta generosidade, à qual sou chamado, é a atitude central na escola da quaresma e da vida. Dar esmola é fazer tudo aquilo que me leva a sair ao encontro do outro em suas necessidades: ser mais consciente da injustiça e da violência, servir os outros, visitar o enfermo, estancar feridas afetivas, encontrar tempo para falar com a família, deter-me naquilo que é mais positivo nos outros… Qual é a “esmola” que o Senhor me chama a entregar?

A nossa atitude nesta Quaresma seja, portanto, a de viver no segredo onde o Pai nos vê, nos ama, nos espera. As coisas e as práticas exteriores são importantes, mas no seu nível. Se podemos fazer pouco, façamos pouco, mas no amor de Deus: isto vale muito mais do que fazer muito procurando a estima dos outros.

Façamos na oração, na mortificação, na caridade fraterna aquilo que podemos, humildemente, sinceramente diante de Deus; assim seremos dignos da recompensa que o Senhor Jesus nos prometeu da parte de seu e nosso Pai. Amém!