Criado cardeal em 2007 pelo Papa Bento XVI, Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, participou do Conclave que elegeu o Papa Francisco em 2013. Em entrevista ao jornal O SÃO PAULO, ele convida os fiéis a acompanharem este novo período com interesse e oração, ressaltando que a escolha do novo Papa não se submete a pressões externas, mas é fruto do discernimento à luz do Espírito Santo.

Internacionalização do Colégio Cardinalício

O próximo Conclave contará com cardeais de 70 países, um aumento significativo em relação a 2013, quando eram representadas 48 nações. Para Dom Odilo, essa ampliação é reflexo do esforço de internacionalização promovido pelos papas desde o Concílio Vaticano II.

O SÃO PAULO – Deste Conclave, participarão cardeais de 70 países. No anterior, em 2013, havia cardeais eleitores de 48 países. Essa maior internacionalização do Colégio Cardinalício poderá ter qual impacto no Conclave desta vez?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – O Papa Francisco levou avante a internacionalização do Colégio Cardinalício, como já haviam feito seus predecessores, desde o Concílio Vaticano II, a partir dos anos 1960. Com Francisco, o Colégio recebeu membros de países que nunca tiveram um cardeal anteriormente e isso é visto como positivo, pois, assim, o Colégio acaba representando melhor a voz e o sentir da Igreja de todos os ângulos do mundo, mesmo lá, onde ela está ainda bem pouco presente. Certamente, isso terá o seu efeito nas reuniões preparatórias ao Conclave e dará a ocasião de um discernimento mais amplo sobre as situações do mundo e as questões que a missão da Igreja deve enfrentar.

Muito tem se dito que nas congregações gerais já vai se desenhando o perfil do futuro Papa, perante o que se reflete a respeito dos desafios atuais da Igreja e das questões a que ela é chamada a dar respostas ao mundo. É assim de fato?

As reuniões preparatórias ao Conclave já iniciaram no dia seguinte à morte do Papa. Os primeiros dias foram dedicados a questões relativas ao funeral do Papa e aos encaminhamentos preparatórios do Conclave, dando cumprimento à Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, acerca da vacância da Sé Apostólica e da eleição do Romano Pontífice, de São João Paulo II (1996), brevemente emendada por Bento XVI com a Carta Apostólica em forma de Motu ProprioNormas Nonnullas, de 22 de fevereiro de 2013.  Esses documentos são públicos e descrevem no detalhe como o Conclave deve ser preparado e celebrado. Depois do funeral do Papa falecido, começa um novenário de orações e celebrações da Missa na intenção da Igreja e da escolha do novo Papa. Isso se faz no Vaticano, em Roma e em todo o mundo. A Igreja inteira entra em clima de oração ao Espírito Santo e pela própria Igreja, pedindo a ajuda de Deus pela escolha do novo Papa e pelo fiel cumprimento da missão da Igreja. Enquanto isso, continuam as reuniões diárias dos cardeais para refletir sobre a situação da Igreja e do mundo; nessa partilha, os cardeais vão manifestando livremente sua avaliação sobre o momento atual e os desafios mais importantes que a Igreja enfrenta e deve enfrentar nos próximos anos. Dessa maneira, também se vai delineando o perfil que deverá ter o novo Papa, de maneira a poder guiar a Igreja com lucidez e firmeza no cumprimento de sua missão.

Neste momento marcado por especulações sobre quem seria o futuro pontífice, bem como por notícias que equiparam o Conclave a um processo político na Igreja, quais recomendações o senhor tem a dar aos católicos?

Ao povo católico é pedido que acompanhe com interesse e oração esses dias muito importantes para a Igreja. Também é importante informar-se por meio de fontes seguras e serenas de informação, evitando alimentar-se de interpretações distorcidas, polêmicas e falseadas sobre a Igreja. Este é um momento para manter a comunhão de fé, caridade e missão, acima de gostos partidários ou ideológicos. O Papa Francisco tem dito em muitas ocasiões, desde o primeiro dia de sua eleição em 13 de março de 2013, que a Igreja não é uma ONG, um partido, um parlamento, um movimento social ou um grupamento ideológico, mas a comunidade dos discípulos missionários e testemunhas de Jesus Cristo, animada e guiada pelo Espírito Santo. É bom também não se aferrar a prognósticos e projeções ideais sobre o novo Papa: será preciso aceitar de coração aberto e disposição de fé e obediência aquele que for escolhido. Do contrário, que sentido teria que nós agora nos dediquemos à oração e à invocação do Espírito Santo se, depois, dissermos: “Esse Papa não me representa”?

Há quem divida, especialmente entre os ‘especialistas em Vaticano’, o Colégio Cardinalício entre cardeais progressistas e conservadores. É uma dicotomia que faz sentido? Isso pode determinar de algum modo a escolha de quem será o novo papa?

É preciso dizer que qualquer uma dessas duas maneiras de ver a Igreja é insuficiente e defeituosa. A base da Igreja não são as ideologias de direita e esquerda, mas é o Evangelho. Nele existem aspectos que alguém poderia qualificar “de direita” e outros, “de esquerda”. Alguém, por opção partidária e ideológica, poderia deixar de lado ou renegar algum aspecto que não cabe na sua visão ideológica das coisas? Não seria fiel a Jesus Cristo e ao Evangelho. A Igreja precisa ser fiel a Jesus Cristo e ao Evangelho, muito mais que a um partido ou ideologia. Isso vale também para o Conclave. Haverá alguns cardeais que vão destacar mais suas reflexões sobre aspectos sociais e “progressistas” do Evangelho. E fazem bem, pois fazem parte da missão da Igreja. Outros, destacarão mais alguns aspectos do Evangelho, que poderiam ser qualificados como “conservadores”, e, também, fazem bem. E, assim, na diversidade das visões e esforços, a Igreja procura ser fiel ao Evangelho, na unidade da mesma fé e da caridade. Mas a suposta tensão entre esquerda e direita durante a preparação do Conclave é uma fantasia e uma fichinha já conhecida, que se puxa sempre quando há um Conclave… Além disso, a pretensa pressão sobre o Colégio Cardinalício deve ser considerada mínima, senão nula. Os cardeais estão bem conscientes de sua missão e não são meninos facilmente influenciáveis.

Principalmente após o filme Conclave, muito se perguntam se existe muita disputa política na escolha do futuro papa. Como as conversas, as análises e o tempo de oração definem o espírito da assembleia durante o conclave?

O tempo de preparação e o mesmo Conclave transcorrem serenamente, em clima de oração, de reflexão e discernimento sobre a realidade da Igreja e sobre sua missão. É claro que os cardeais também conversam entre si durante as reuniões preparatórias e vão trocando ideias. Mas não se deve imaginar o Conclave como uma disputa eleitoral, onde há partidos, candidatos, campanhas abertas e comícios. Isso não existe e é pura fantasia, como também é fortemente vetado pelos documentos sobre a realização do Conclave. Talvez, o citado filme ajuda a divulgar essa fantasia…

Quando os cardeais se colocam a questão sobre quem votar para a cátedra de Pedro, quais os aspectos principais que são levados em consideração nesse discernimento? Questões como a perda de fiéis nos países católicos? Nos debates doutrinais? A paz no mundo? A santidade do candidato?

A questão principal a ser levada em consideração é a realidade da Igreja e a missão que Jesus a ela deixou. Como realizar de maneira adequada essa missão no contexto atual da Igreja e da sociedade nos diversos ambientes religiosos e culturais? Quais questões deveriam ser prioritárias para a vida e a missão da Igreja nos próximos anos? Implicitamente, e mesmo sem expressar isso, vem a reflexão sobre as qualidades que o próximo Papa deveria ter para conduzir e animar a Igreja no cumprimento de sua missão. As muitas reflexões e intervenções que se os cardeais fazem os ajudam a conhecer seus coirmãos no Colégio Cardinalício e a amadurecer a escolha que cada um deve fazer.

 

___

Fonte: osaopaulo.org.br / Foto: Vatican News