Mudanças vêm aí: vida familiar em tempos de crise

Pe. Marcelo Aravena – Não é surpresa que este tempo de crise mundial de saúde tenha colocado à nossa vida pessoal e familiar um grande desafio.

Vejamos alguns dos aspectos difíceis deste desafio que, paradoxalmente, também traz oportunidades positivas para a vida familiar.

Desafios:

1. Fragilidade

Fragilidade – Uma das primeiras experiências é a fragilidade da humanidade. É como se a nossa existência estivesse num equilíbrio débil e dependente de múltiplos fatores que não podemos dominar ou governar. Por exemplo, percebemos que a nossa saúde está num equilíbrio muito sensível e que podemos perdê-la a qualquer momento. Também a saúde financeira e econômica se tornam instáveis, especialmente quando se perde o emprego ou o salário é drasticamente reduzido, não sabemos por quanto tempo mais. E as poupanças reservadas para outros fins, têm de ser gastas. É como estar à mercê de acontecimentos fora do nosso controle.

2. Medo

Medo – Outra experiência que nos acompanha é a de sentir medo. Mas é como um misterioso medo. É o medo de algo que não vemos e que está à espreita, circulando pelas nossas cidades, bairros e casas. Este receio está ligado ao fato de muitas pessoas terem sido infectadas e mortas pelo vírus. Está também ligada à questão: e se eu ou alguém da minha família contrair a doença do Covid-19?

3. Impotência

Impotência – O ser humano, que se acreditava o dono absoluto do mundo, colocou o mundo em perigo ao explorá-lo sem limites. É como se o homem arrogante tivesse se tornado uma ameaça para si próprio. E agora está impotente perante um inimigo invisível e resigna-se a coexistir com esse inimigo, que o restringirá para sempre ou mesmo lhe tirará a vida. Esta privação, juntamente com a insegurança econômica e de emprego acima referida, pode também ser vista no surgimento de lamentáveis expressões de discriminação social e de negligência dos direitos dos mais vulneráveis.

4. Confinamento e afastamento

Confinamento e afastamento – Outro aspecto muito relevante que está afetando a nossa vida familiar e social é a realidade atual, tanto da quarentena quanto do confinamento e, por outro lado, do distanciamento físico. Ao mesmo tempo em que temos de estar juntos, temos de tentar afastar-nos fisicamente uns dos outros quando estamos fora de casa. Trata-se, sem dúvida, de uma alteração da nossa forma natural de viver e de nos relacionarmos com os outros. Esta situação vai durar muito tempo para além da crise atual. Isto mudará radicalmente a forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo que nos rodeia. Esta questão torna-se dramática quando, devido ao isolamento, vemos como as pessoas, especialmente os idosos, do-entes e vulneráveis, sofrem de extrema solidão. É precisamente nestes tempos que é necessário companhia e apoio social para não abandonar aqueles que realmente precisam de mais cuidado, amor e solidariedade.

5. O questionamento de Deus

O questionamento de Deus – Também em todo este fenômeno planetário, os críticos de Deus ou de fé fraca emergem com força renovada. E eles perguntam: onde está Deus? Estará Deus no leme dos acontecimentos da história? Para que serve a fé então? Neste momento, há um debate infrutífero entre os espiritualistas panteístas, que acreditam que só Deus vencerá miraculosamente a pandemia e, por outro lado, os fatalistas, que acusam um Deus ausente, que deixou a humanidade abandonada à sua própria sorte.

Oportunidades e formas de responder aos desafios da crise atual

1. Um tempo para eu refletir, rezar e situar-me concretamente face aos desafios atuais
É tempo de me colocar diante de Deus, de reconhecer a minha situação como um ser humano carente e frágil e de pedir a sua companhia, o seu apoio, misericórdia e conforto.

2. Um momento para tomar consciência de quem eu sou e a quem pertenço
Precisamos repensar sobre a nossa situação pessoal e avaliar como vivo individualmente, como é o relacionamento com os meus entes queridos, sobre quais são as minhas prioridades. Tenho de mudar as minhas ideias e o meu rumo. É tempo de rever a minha escala de valores e avaliar o que é importante e/ou urgente para mim. Muitas vezes o stress da vida cotidiana leva-nos em direções indesejadas e perigosas que nos afastam daqueles que mais amamos, do que me é verdadeiramente devido e o que é de Deus.

3. Um tempo para abandonar o individualismo alienante
Mais do que nunca, precisamos um do outro. É uma oportunidade de crescer na convicção de que só podemos sair de uma crise, como a que estamos atravessando, em comunhão, em comunidade, juntos, cada um contribuindo com a sua parte. Neste ponto, gostaria de salientar alguns elementos importantes para viver em proximidade com outros. Por exemplo: como é importante poder ouvir o outro e atender às suas necessidades. Ou também aceitar o outro onde quer que esteja, com suas próprias diferenças. Ou para tentar compreender o outro nos seus medos e ansiedades. Dar bondade, gentileza e paciência àqueles que pensam e sentem de forma diferente de mim. Ou, ainda, para cuidar amorosamente do outro sem esperar retribuição. Partilhar coisas relevantes com o outro e fazê-lo participar nas coisas que me interessam e que são importantes para mim. Sem dúvida, este é um momento de dar e receber, de oferecer e de aceitar.

4. Poderíamos resumir que este tempo de crise é uma oportunidade para avançarmos na nossa conversão pessoal e familiar
Aqui gostaria de recordar um pouco do nosso Fundador, Pe. José Kentenich, quando ele pensa no carisma de uma família que se deixa inspirar pela espiritualidade e pedagogia de Schoenstatt. Em primeiro lugar, o nosso esforço é colocar Deus no centro das nossas vidas. Isto quer dizer: nada sem Deus. Nada sem ela, nossa parceira e aliada na Aliança de Amor. Em segundo lugar, uma família saudável, rica nos seus laços de amor, verdade e justiça. Por outras palavras, uma família intrinsecamente humana, fundada no amor generoso, paciente e digno. Em terceiro lugar, uma família missionária que é muito clara sobre o imperativo do “Nada Sem Nós” da Aliança. É uma família com os seus membros “à saída” com a missão de evangelizar o seu ambiente, onde quer que esteja. Uma família aberta aos de-safios da sociedade em que está inserida e vive. Uma família que conhece e pratica a solidariedade querida por Deus.

5. O apelo a cuidar dos mais pobres e despossuídos com empatia e ajuda concreta
Muito tem sido divulgado pelos meios de comunicação social, e nós próprios afirmamos, que a pandemia que sofremos nos atinge a todos por igual e não faz qualquer diferença. O vírus não conhece classes nem ideologias. Sim, é verdade que nos afeta a todos e de alguma forma nos torna iguais, mas os efeitos e as consequências são muito diferentes. Por exemplo, aqueles que têm tudo de sobra atravessam a tempestade com menos sacrifícios do que os pobres, para os quais a epidemia é apenas um elemento a mais da dor em que já vivem.

A questão urgente é saber como chegar aos que mais sofrem e o que faria Cristo ou Maria nesta situação. Como é que vamos responder? É verdade que não podemos agora sair às ruas para fazer algo inútil. Mas, quando a pandemia passar, qual será a nossa ação concreta? Ou será que tudo continuará a ser como agora? Como vamos viver o “Nada sem Ti, Nada sem Nós”? Esta questão tem de ser respondida com honestidade.

6. Conclusão: O coronavírus será finalmente derrotado pela ciência e pela fé
Os sinais dos tempos dizem que talvez estejamos perante a possibilidade de um despertar de uma nova consciência planetária, humanitária e ecológica. Seremos capazes de gerar este milagre de suprema responsabilidade pela criação que é “nossa casa”, pensando nas gerações futuras, como ensina o Papa Francisco na sua encíclica “Laudato Si“?

Por enquanto: Não vamos nos opor a essas duas forças indispensáveis para derrotar o inimigo invisível mas letal. Não. Por um lado, seguiremos todas as indicações das autoridades sanitárias e políticas que querem verdadeiramente salvar vidas e proteger a humanidade. Apoiaremos todos os esforços da ciência, da tecnologia e do conhecimento humano para derrotar o vírus. Seremos obedientes. Por outro lado, vamos, se é o caso, corrigir nossa imagem de Deus e depositar toda a nossa confiança nele e acreditar que o Deus Sábio e Todo Poderoso está no leme do navio da história. Rejeitaremos todas as caricaturas “mágicas” de Deus. Abominaremos a existência de um deus volúvel e classista que escolhe quem será salvo e quem será deixado para morrer. Afastemo-nos de uma teocracia primitiva e demos lugar a esse Deus amoroso que, na sua Divina Providência, cuidará de cada um de nós com amor paternal, como verdadeiros filhos e filhas que somos.

A fé nesse Deus misericordioso e justo dar-nos-á a energia necessária para ultrapassarmos esta crise. Essa fé que confia no Deus da história, nos dará a inteligência para discernir o que fazer e como agir no tempo que se avizinha. Esta fé filial tornará possível uma fidelidade comprovada, segura e dupla: fidelidade a Deus e fidelidade ao homem e à criação que o próprio Criador colocou nas nossas mãos.

Acreditamos que esse é um tempo especial para tentar construir um novo Brasil como uma nova terra Mariana.

 

Fonte: schoenstatt.org.br